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quarta-feira, maio 19, 2004
Rita
Capítulo III – Depois das cinzas
As emoções naquele dia tinham sido tantas – e tão grandes – que Rita sequer conseguia demonstrar direito seus sentimentos. Após o enterro chorou, mas em segredo. Nunca havia chorado em público – não que quisesse se demonstrar mais forte do que era, contudo não conseguia – e nem em situações tão horríveis como essa era possível ver uma lágrima escorrendo de seus olhos.
***
Já havia se passado dois dias da tragédia, mas mesmo assim Rita ainda estava muito abalada. Se não bastasse ver seu marido morrer de forma tão horrível (imagem que não saia de sua cabeça), não sabia o que estava acontecendo com seu pai. Tudo bem que desde a morte da mulher ele não estava muito bem psicologicamente, mas o que teria o levado a sair correndo daquele jeito? De onde será que ele e seu patrão se conheciam? Muitas perguntas rondavam a cabeça de Rita e permaneceriam sem resposta se ela não tomasse a iniciativa de ir falar com seu José.
— Pai, o que está acontecendo?
— Como assim, minha filha?
— Não tente me enrolar. Eu sei que está acontecendo alguma coisa que o senhor não quer me contar. – Rita estava claramente nervosa.
— Calma filha, eu não tenho nada para te contar.
— Como não? Você é muito cara de pau, mesmo!
— Respeite o seu pai. Posso estar velho e doente, mas ainda sou seu pai e assim permanecerei até o final dos meus dias.
— Como você quer que eu te respeite se você nunca me respeitou. Até hoje eu não sei por que a mamãe se matou...
— Se não sabe é porque não tem que saber!
— Quer dizer então que eu não posso saber o que minha mãe estava pensando na hora que resolveu acabar com a própria vida?
— Se isto for o melhor pra você...
— Quem é você para dizer o que é o melhor para mim? O senhor não sabe o sofrimento que é a minha vida desde que a mamãe se matou...
— Eu imagino. Não se esqueça que também sofro. E pode ter certeza que mais que você.
— Como o senhor pode saber disso? Você não tem noção de como é saber que sua mãe não quis mais viver, mas não saber o motivo que a levou a tomar essa decisão.
— Pior que não saber o motivo é saber e se sentir culpado.
— O que o senhor aprontou?
— Não te interessa.
O velho começou a chorar. Não podia suportar tamanha pressão. Rita gritava com ele, porém seu estado de nervosismo era tanto que não ouvia os berros da filha. Apesar dessa discussão os dois se amavam. Não podiam discutir daquele jeito. Estava na hora de Rita saber toda a verdade.
— Filha, acalme–se. Prometo que assim que se acalmar te contarei essa história.
— Pois bem.
— É uma história muito longa e sei que assim que terminar de contá–la você sentirá nojo de mim, por isso nunca te contei. Para falar a verdade não sei se terei forças para te contar. Você tem que entender que é muito doloroso para mim.
— Eu entendo. Mas o senhor também tem que entender que tenho que saber o motivo da morte da minha mãe. É uma questão de sobrevivência.
— Não se preocupe. Te contarei.
Com certeza vocês já assistiram aquelas cenas de novela onde som vai diminuindo aos poucos para que um segredo não seja revelado. Então imaginem que isso aconteceu agora. Rita já pode – e deve – saber o segredo que se esconde por trás da morte de Maria José, entretanto vocês não.
***
— Senhor Geraldo, preciso falar com o senhor. – Rita disse isso da porta do escritório de Geraldo.
— Entre, Rita. Sinta–se a vontade. Você está melhor?
— Sabe como é, né? Um dia vou dormir do lado do homem que amo, no outro a cama está vazia. Mas eu vou levando. Tenho meu pai e minha filha que me dão muita força.
— Com certeza a família é muito importante nessas horas.
— Sem dúvida... Mas não é sobre a minha viuvez que vim tratar com o senhor. Vou ser direta, porque não gosto de rodeios.
— Então vá direto ao assunto.
— Por que o senhor me contratou?
— Como assim?
— Por favor seja tão direto como eu fui. Você entendeu perfeitamente a minha pergunta.
— Fique calma. Só não estou entendendo o motivo dessa pergunta.
— Como não? Você me contrata do nada, sem saber quem sou eu.
— Já te disse que fui com a sua cara.
— Ninguém contrata por esse motivo.
— Eu contrato.
— Sua voz deixa transparecer que você está mentindo.
— Tudo bem. Contarei a verdade. Mas você vai achar que eu sou um idiota. Você já assistiu aquele filme "Corrente do Bem"?
— Sim, e achei muito bonito. Mas o que isso tem a ver?
— Eu resolvi começar uma Corrente do Bem. Mas tenho vergonha de assumir isso.
— Bela intenção. Porém você há de convir que isso é muito estranho.
— Eu disse que você não ia acreditar. – a voz de Geraldo mostrava que ele não estava mentindo.
— Realmente não acredito, mas não vou discutir com você. Não posso ser demitida. Para mim pouco importa os motivos que levaram você a me contratar. O que me importa é ter emprego.
— Então o assunto está encerrado.
— Tenho mais uma pergunta. Você já conhecia meu pai antes do enterro do Luis?
Enviado por
Gabriel H.
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